terça-feira, 14 de novembro de 2017

CONVERSANDO COM A MORTE

Era um dia de semana normal, o homem havia tirado folga do serviço e estava ele desolado, perdido com as coisas que aconteciam no mundo, e ao mesmo tempo, cansado do comportamento dos humanos ao seu redor. 

Os momentos que ele tinha de folga, queria apenas se isolar da sociedade e das pessoas. Pois achava todos iguais, todos mesquinhos. Ali pelo menos ele poderia esquecer de todos seus problemas por algumas horas.

Ele estava em uma grama verde, a sua frente a linda imagem da Laguna dos Patos, o dia estava meio frio e a praia lá distante estava deserta. Somente sons da natureza eram escutados, o vento, as ondas, os pássaros cantando ao longe e ele ali deitado, olhando para o mar e pensando sobre o sentido da vida. 

Por um momento tudo pareceu congelar, o vento parou, o mar ficou calmo e os pássaros já não cantavam mais. O homem sentado na grama, sentiu uma 

presença em suas costas, então virou-se rapidamente e viu alguém totalmente de negro, uma manta negra que cobria todo seu corpo, inclusive seus pés. Nas mãos usava luvas negras, e na cabeça um enorme capuz também negro, que cobria todo seu corpo. Era algo assustador, a figura misteriosa então pergunta com uma voz grave:
— Chamaste?
O homem assustado pergunta:
— Quem és tu? Fez a pergunta, mas já imaginava a resposta.
— Sou o fim de tudo que vive. Sou o ceifador. 
— Então. Chegou minha hora?
— Ainda não, a não ser que esteja pensando em tirar sua própria vida, se é assim estou no local certo. 
A criatura de negro sentou-se na grama ao seu lado. Seu rosto ainda não poderia ser visto, pois o capuz enorme cobria totalmente.
— Se não vou morrer, o que fazes aqui?
— Estou em todos os lugares. Nesse momento estou com uma criança que morreu de fome na Africa. Estou com um chinês atropelado em Pequim. Estou com um suicida que cortou os pulsos em São Paulo. Só hoje já morreram mais de setenta mil pessoas, e ainda é manhã.
— E com tanto trabalho, por que resolvesse aparecer para mim?
— Acompanho seus questionamentos sobre o sentido da vida. Leio seus textos sobre isso. Achei que era hora de termos uma conversa. Afinal, você é escritor, e eu sou um de seus personagens.
— Vai me responder qual é o sentido da vida?
— Achei que você fosse me responder isso. Você tem uma vida. Você quem a escreve. 
— E você as tira, deveria saber mais que eu, já que vem a milênios acabando com os sonhos de muitas pessoas. Por que morremos?
— Tudo tem um inicio e um fim. É só parar para analisar, até o universo. Algumas coisas duram mais tempo que outras, mas tudo acaba. Me julgas, mas não sabes quem sou eu. Não sou eu quem mata as pessoas. Só estou lá para fazer meu trabalho.
— Se não é você que tira a vida das pessoas, o que faz aqui? Qual seu trabalho?
— Estou aqui agora, por que assim me chamaste. Você acredita na morte?
— Claro que sim, pessoas morrerm todos os dias. E agora estou aqui, cara a cara com ela.
— Sim, pessoas morrem todos os dias, elas morrem a cada segundo. Principalmente os humanos que são feitos de transformações, eles morrem tantas vezes durante a vida, que se perde as contas de quantas vezes eu estou lá para ceifá-los.
—  Do que está falando?
—  Quantas vezes você já morreu?
—  Estou aqui, nunca morri. 
—  Digo que você já morreu várias vezes. A cada mudança sua, seu eu antigo morre. A cada desilusão, seu eu antigo morre. Cada pessoa que você machuca, você morre para ela. 
—  Você está me enrolando, sabe que não estava falando desse tipo de morte. Não estou falando do sentido poético.
—  Sim, mas essa é a resposta para sua primeira dúvida. Qual o sentido da vida? Enquanto você estiver vivo dentro de alguém, talvez você nunca morra de verdade. E afinal, o que é a vida sem poesia.
— Quer dizer que a morte gosta de ler poemas?
— Alguns, ultimamente não temos nada bom e infelizmente já tive que ceifar os maiores escritores que o mundo viu. Com eles eu podia conversar de verdade. Teve um que me desafiou para uma partida de xadrez, se ele ganhasse eu não o levaria, mau sabia ele que eu sou mestre de xadrez. Mas foi uma boa partida.
O homem ficou encarando a criatura de negro.
—  Mas enfim, pensei que irias me explicar o que acontece. Por que morremos, para onde vamos? 
—  Todos sabemos essas respostas, está tudo em você.
—   Ninguém sabe essa resposta, é o que todos querem saber.
—   A vida é feita de momentos, tudo é momento. A vida está no agora, não no passado, nem no futuro, nesse momento você é eterno. Sempre será. A palavra correta para a vida é continuação. Sequencia de momentos infinitos é o que chamamos de vida. Você é o que sua mente quer que você seja. É uma ilusão perfeita de realidade.
—  Se eu tivesse todo esse poder que diz que tenho. Por que não posso trazer quem morreu de volta?
—  Como você vai trazer quem não está morto de volta?
—  Meu tio, ele morreu ano passado, eu gostava muito dele. Ele simplesmente se foi. Vítima de cancer.
— Lembra-se de quando ele te deu um tênis e ambos foram jogar futebol juntos? Aquele tênis que você tanto queria?
— Sim.
— Lembra-se quando vocês sentavam juntos na mesa do bar e jogavam cartas e se divertiam, dando muitas risadas? Você o ajudava a cuidar do bar.
— Claro que sim. Tivemos muitos momentos juntos e a maioria deles foi de alegria.
—  Então. Ele está vivo. Todos esses momentos estão vivos, nesses momentos ele ainda existe, e tudo isso está aqui. Falou ele levantando a mão e tocando na cabeça do homem. —  E aqui. Agora tocou em seu coração. — O que eu lhe disse, a vida é momento. E somos eternos nesses nossos momentos. Por isso devemos aproveitar cada segundo com quem gostamos. Isso é a vida. A ilusão perfeita.
—  Se o que estás propondo faz algum sentido, os momentos não são eternos. Todo mundo morre, quando esquecemos. Quando esquecemos os momentos se apagam e as pessoas que fizeram parte desse momento morrem. Então é assim?
—  Relativamente. Ninguém morre, somos todos eternos.  Para haver final da vida, tem que haver um inicio de vida. Não concordas comigo?
—  Sim, não pode terminar o que não tem um começo.
— O que havia antes de você nascer?
— Ninguém se lembra, eu guardo memórias a partir dos meus 3 anos, e coisas muito vagas. 
— Mas você existia antes disso não?
— Sim.
— Os momentos não estão presos a lembranças. A saudade sim. Quando você esquece alguém, ela está morta para você. Mas ela não está morta realmente, em algum lugar, algum momento essa pessoa estará viva em algum tempo, ou na cabeça de alguém. Tudo é ilusão. Você é o que seu cérebro aprendeu e diz que você é. Olha que curioso, mas antes de você aprender, você já existia. Você foi se transformando e aos poucos morrendo, e se tornando outro. Viu quantas vezes você já morreu, e quantas vezes eu já te visitei?
— Isso faz sentido. 
— Muitos querem saber o segredo da Imortalidade, e eu estou te dizendo isso. Aproveita cada momento, com quem você ama, fazendo o que você gosta, e serás eterno. Julgue menos, ame mais. Brigue menos, faça mais amor. Diga o quanto ama alguém, nunca, em hipótese nenhuma troque um sorriso verdadeiro, por nada. Não venda sua vida por dinheiro, não desperdice seu tempo com coisas que te fazem mal. Viva.
Os olhos do homem se enxeram de água com a fala da morte. 
— Enfim, agora terei que ir embora, um furacão se aproxima dos EUA. Preciso de total atenção lá por uns minutos. Nos encontraremos novamente.
— Espero que não tão cedo. 
A figura então soltou uma risada alta e grave e desapareceu, e o vento voltou a soprar. Os sons voltaram, o homem sentado perto do mar, então olhou no relógio e viu que o tempo não havia passado. Nem sequer um minuto passou, desde o início da conversa.